segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Os estudos de usuários e as abordagens tradicional e alternativa

Este artigo teórico tem como objetivo apresentar as diferenças entre as abordagens tradicional e alternativa, no campo da ciência da informação, e que têm pautado as discussões sobre como atuar, nos dias de hoje, no desenvolvimento de produtos e serviços informacionais. Ao final, o leitor será capaz de compreender a importância de se conceber e implementar qualquer projeto, produto ou serviço, tendo como paradigma metodológico a abordagem alternativa, baseada na compreensão das necessidades do usuário ao qual se espera atender. Dessa forma, as soluções em tecnologia da informação deverão se pautar nas necessidades, demandas e usabilidade de seus usuários finais, além da base conceitual e metodológica referente.

Autor: Frederico Cesar Mafra Pereira (produzido em 10 de janeiro de 2011)

Os ‘estudos de usuários’ têm ganhado força e crescido bastante, representando grande parcela dos estudos realizados no campo da ciência da informação, tanto em nível nacional quanto internacional. Os primeiros ‘estudos de usuários’ remontam à década de 50, e foram desenvolvidos sob uma abordagem denominada ‘tradicional’ ou ‘direcionados pela ótica do sistema de informação’ (MARTUCCI, 1997; FERREIRA, 1995). Esta abordagem considera a informação como algo externo, objetivo, que existe fora do indivíduo e pode ser definida, medida e utilizada por diferentes usuários da mesma forma, bastando apenas ser descoberta através dos sistemas de informação. Está ancorada no processo de comunicação tradicional, no qual existe um emissor, uma mensagem e um receptor. A informação (mensagem) é produzida por uma fonte de informação e transmitida através de um canal, tendo como objetivo reduzir a ambigüidade. O usuário é visto como um dos integrantes do sistema, não como a ‘razão de ser’ do serviço, posicionado passivamente e tendo de se adaptar aos sistemas de informação. Estes, por sua vez, são planejados em função das tecnologias utilizadas para a sua implantação ou do conteúdo da informação a ser inserida nos mesmos, ao invés de serem moldados às características dos usuários a quem deve atender.

Apesar de sua contribuição para a área da ciência da informação, a abordagem tradicional não conseguiu responder questões relativas ao ‘como’ as pessoas fazem uso dos sistemas, ‘para qual finalidade’ e ‘como’ a informação obtida é utilizada pelo usuário. Segundo MacMullin e Taylor apud Ferreira (1995), dois aspectos relativos a esta abordagem são questionáveis: 1) a irrelevância dada às incongruências entre o que está contido no problema do usuário e o que está contido na pergunta formulada; 2) a falta de mecanismos nos sistemas de informação que consigam identificar como o usuário pretende usar a informação obtida, e como define sobre a relevância de uma informação.

A partir da década de 80 uma nova abordagem começou a se desenvolver, denominada ‘abordagem centrada no usuário’, ‘abordagem da percepção do usuário’ ou ‘abordagem alternativa’ (MARTUCCI, 1997; FERREIRA, 1995). Esta é baseada nas idéias de que: 1) a necessidade de informação deve ser analisada sob a perspectiva da individualidade do sujeito a ser pesquisado, sendo subjetiva e única, definida no plano pessoal; 2) a informação necessária e o esforço empreendido na sua busca devem ser contextualizados na situação real de seu surgimento (considerando o tempo e o espaço de ocorrência); 3) o uso da informação deve ser dado e determinado pelo indivíduo que está em constante construção de seus sentidos. Dessa forma, o indivíduo é colocado como o centro do fenômeno a ser estudado, partindo-se de uma perspectiva cognitiva, buscando interpretar necessidades de informação tanto intelectuais quanto sociológicas (FERREIRA, 1995). A informação é vista como algo construído pelo indivíduo, à qual dará o formato, a consistência e o sentido que lhe convier , e que só tem sentido quando integrada a um contexto. Assim, a informação é um dado incompleto ao qual o usuário atribui um sentido a partir de seus esquemas anteriores de conhecimento, sendo um produto da observação da realidade. Sob a ótica da abordagem alternativa, o processo de comunicação é perceptivo, e o indivíduo é visto como alguém com um repertório cultural de conhecimentos, crenças, valores, com necessidades cognitivas, afetivas e fisiológicas próprias, inserida em um ambiente com restrições socioculturais, políticas e econômicas.

Na abordagem perceptiva os sistemas de informação devem ser concebidos sob a égide da flexibilidade, adaptando seu processo de busca da informação às necessidades do usuário (que podem mudar no tempo e serem diferentes de indivíduo para indivíduo). Martucci (1997) destaca que os serviços de informação devem centrar no significado da busca mais do que na localização das fontes de informação, em face ao aumento do acesso à grande quantidade de informação existente.

Torna-se cada vez mais importante procurar entender os elementos definidores dos ‘estudos de usuários’, cujo objetivo é identificar as necessidades e usos da informação pelos mesmos. Apesar de focarem as necessidades de informação no nível individual, é possível chegar a generalizações a partir das percepções pessoais dos indivíduos pesquisados. Segundo Ferreira (1995) existem muitas similaridades entre as situações vividas pelos diferentes indivíduos, sendo o conceito de necessidade de informação não somente subjetivo e existente apenas na mente de um indivíduo, mas “um conceito intersubjetivo com significados, valores, objetivos, etc., passíveis de serem compartilhados”. Dessa forma, é possível a identificação e a generalização de padrões de comportamento de busca e uso de informação. Para Martucci (1997), o indivíduo é uma “apropriação singular do universo social e histórico que o rodeia”, sendo possível conhecer o social a partir das especificidades do indivíduo.

Portanto, a concepção de uma solução de tecnologia da informação deve ter como pré-requisito o entendimento das necessidades e demandas do usuário quanto às funcionalidades e características de um sistema. Não é aceitável mais a elaboração de produtos que partam das premissas do arquiteto da informação, sem que elas tenham sido identificadas e validadas por quem, de fato, irá utilizar o sistema.

Referências
CHOO, Chun Wei. A Organização do Conhecimento: como as organizações usam a informação para criar significado, construir conhecimento e tomar decisões. São Paulo: Editora SENAC São Paulo, 2003.
DERVIN, B. Information as a user construct: the relevance of perceived information needs to synthesis and interpretation. In: WARD, S.A., RED, L.J. (orgs.). Knowledge Structure and Use: implication for synthesis and interpretation. Philadelphia: Temple University Press, p.153-183, 1983.
FERREIRA, Sueli M.S.P. Novos paradigmas e novos usuários de informação. Ciência da Informação, v.25, n.2, p.1-10, 1995.
MARTUCCI, Elisabeth M. Abordagem Sense-Making para estudo de usuário. Porto Alegre: ABEBD - Associação Brasileira de Ensino de Biblioteconomia e Documentação da UFRGS, (3), maio de 1997.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Termômetro Econômico - Janeiro de 2011

Os destaques de janeiro referem-se ao aumento da SELIC na 1ª reunião de 2011, e à consolidação do processo de aceleração inflacionária brasileira, com mais um aumento do IPCA. O governo já estuda novas medidas para conter a inflação futura, com destaque para os cortes no orçamento já anunciados para este ano de R$ 50 bilhões.
  • IPCA começa 2011 em 0,83%: Índice que mede a inflação oficial brasileira foi de 0,83% no 1º mês do ano, ante 0,63% em dezembro de 2010. É a maior taxa para o IPCA desde abril de 2005 (0,87%). Nos últimos 12 meses, o índice está acumulado em 5,99%, acima dos 12 meses imediatamente anteriores (5,91%). Em janeiro de 2010, o IPCA havia ficado em 0,75%. Os grupos alimentação e bebidas e transportes foram os principais responsáveis pelo resultado de janeiro, somando uma contribuição de 0,56 ponto percentual, o equivalente a 67% do IPCA do mês. O último boletim Focus de janeiro, divulgado pelo Banco Central, apresentou projeção de 5,64% para a inflação em 2011, ante 5,32% anunciado no início do mês, corroborando a perspectiva de inflação bem acima do centro da meta para o ano (que se mantém em 4,50%). Segundo o ex-ministro das Comunicações, Mendonça de Barros, o Brasil chegou a um dos momentos mais complexos da política de estabilização. O controle da inflação, este ano, será bem mais difícil do que em 2008, o último período de aceleração da inflação antes do atual. Há inflação de demanda e não haverá mais sobra de produtos para importação decorrente da crise global nem apreciação do câmbio para produzir a desinflação vinda do setor externo. A inflação de serviços (bens não comercializáveis) já passou da casa dos 6% para a dos 7% ao ano. Os preços administrados são indexados ao IGP, que foi alto em 2010. O mercado de trabalho encontra-se em pleno emprego, o que não ocorria em 2008, e a demanda continua crescendo.
  • Preços no atacado e varejo sobem mais e IGP-M começa janeiro em 0,79%: O IGP-M aumentou 0,10 ponto percentual na passagem de dezembro de 2010 para janeiro deste ano, saindo de 0,69% para 0,79%. Esse movimento foi impulsionado pela aceleração no ritmo de alta dos preços no varejo e atacado, mostrou a Fundação Getulio Vargas (FGV). O resultado de janeiro ficou acima daquele previsto pelos analistas consultados pelo Banco Central no último Boletim Focus, de elevação de 0,62% no período.
  • Taxa de juros inicia o ano em 11,25%: Como já esperado desde o final de 2010, no dia 19 de janeiro último, o Comitê de Política Monetária (COPOM), em sua 1ª reunião do governo Dilma, decidiu, por unanimidade, elevar a taxa SELIC para 11,25% a.a., dando início a um processo de ajuste da taxa básica de juros. Entretanto, cresce o número de economistas que defendem um aperto maior na taxa de juros, de até 2,75 pontos ao longo do ano. A curva de juros futuros, que responde mais rapidamente aos dados conjunturais, já projeta um aperto monetário maior, com alta de 0,75 para março (próxima reunião do COPOM). Os efeitos esperados pelo governo é que os ajustes na taxa SELIC, somados aos das ações macroprudenciais implementadas no final do ano passado, possam contribuir para que a inflação convirja para a trajetória de metas no ano (que é de 4,5% - meta esta cada vez mais longe e difícil de ser atingida).
  • Banco Central projeta PIB de 2011 em 4,60%: De acordo com o último boletim Focus de janeiro, o Banco Central elevou a previsão do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, de 2011, para 4,60%, ante previsão anterior de 4,50% no início do mês. Como apontado no último Termômetro Econômico de dezembro, o Ministro da Fazenda acredita num crescimento de 5% para 2011, mesmo com o corte de gastos já anunciado pelo governo em todos os ministérios, e a restrição de crédito ao consumo. Segundo seus cálculos, caso o corte de gastos anunciado não fosse realizado, o PIB poderia crescer 5,5% em 2011.
  • Segurar o dólar custa caro ao país: O Dólar fechou janeiro de 2011 em R$ 1,6740, ante R$ 1,6670 em dezembro de 2010. Já o Euro fechou o mês a R$ 2,2912, ante R$ 2,2280 em dezembro. Especificamente com relação ao Dólar, a previsão do Banco Central para 2011 é de uma taxa de câmbio de R$ 1,75. Após gastar cerca de US$14,6 bilhões em intervenções no mercado cambial já neste ano, o Banco Central conseguiu garantir um ganho de 0,12% do Dólar frente ao Real. Parece pouco, mas se não fosse sua atuação, a cotação estaria perto de R$ 1,55, segundo estimativa do chefe da área de pesquisas de mercados emergentes da Nomura Securities, Tony Volpon. A projeção, que leva em consideração a relação entre os chamados "termos de troca" do comércio internacional, poderia sugerir sucesso do esforço da autoridade monetária. Mas, para especialistas, o preço que a economia paga nessa queda-de-braço é alto e torna negativa sua relação custo/benefício. "É uma vitória ilusória, pois o esforço que o BC faz para segurar a cotação custa caro", afirma Volpon. Para o coordenador de estudos de mercados emergentes da Tandem Global Partners e ex-diretor de Assuntos Internacionais do BC, Paulo Vieira da Cunha, "o BC não tem poder de fogo ilimitado, o que significa que essas medidas podem se tornar perversas“. As reservas internacionais cresceram US$ 7,286 bilhões em janeiro, graças às compras diárias de dólares no mercado à vista. Não estão contabilizados aí os três últimos pregões do mês nem o primeiro de fevereiro, período no qual outros US$ 2,89 bilhões teriam sido adquiridos, segundo estimativas de especialistas. Isso mostra que as reservas cambiais do país já superaram os US$ 300 bilhões. Um colchão tão elevado dá segurança aos país em tempos de turbulência, mas tem um custo alto: cerca de US$ 30 bilhões ao ano, segundo cálculos do o economista Marcio Garcia.