sábado, 3 de setembro de 2011

Banco Central reduz a taxa SELIC: o que isso realmente significa?

Produzido por Frederico Mafra, Professor do IBMEC e Consultor Sênior da Global On Consultores Associados
Postado em www.fredericomafra.blogspot.com e www.globalonconsultoria.blogspot.com

Em reunião realizada no último dia 31 de agosto, o Comitê de Política Monetária (COPOM) do Banco Central decidiu cortar em 0,5 ponto percentual a taxa SELIC, passando-a de 12,50% para 12,00% ao ano. Segundo o Comitê (cuja decisão não foi unânime), os aspectos que mais influenciaram para a redução da SELIC neste momento (já que vários analistas do mercado não esperavam uma queda tão forte já nesta reunião) foram os indícios de deterioração da situação econômica mundial e o desaquecimento da economia brasileira verificado nos últimos meses e esperado para o restante do ano.

Analisando o fato de maneira isolada, poder-se-ia concluir que a decisão de se reduzir a taxa básica de juros da economia (SELIC) foi acertada. O Brasil apresenta, atualmente, uma das maiores taxas de juros do mundo, e quanto mais alta esta taxa, maiores os custos para financiamento e crédito, e maiores os aumentos conseqüentes na dívida brasileira.

Entretanto, se analisarmos esta decisão de uma maneira mais sistêmica e abrangente, chegaremos à conclusão de que outros fatores, não tão técnicos, também exerceram influência na queda da SELIC. Vamos detalhá-los a seguir, e ao final, você leitor poderá tirar suas próprias conclusões a respeito.

Em primeiro lugar, é importante lembrar que o foco principal da busca da estabilidade econômica no país, e que sempre foi o pilar do Plano Real, é o controle da inflação. A partir dele, as demais políticas econômicas eram definidas. Se considerarmos o 2º mandato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e os oito anos do ex-presidente Lula, a meta principal do governo, sob o ponto de vista econômico, sempre foi a estabilidade decorrente do controle da inflação. Para isso, o país adota há anos um sistema de metas de inflação, cujo principal instrumento de combate a possíveis momentos de aceleração inflacionária é a taxa de juros (em outras palavras, instrumento de política monetária). E, de maneira bem simples, funciona assim: se a inflação demonstra sinais de aceleração, aumenta-se a taxa de juros para tentar frear o consumo interno do país e, conseqüentemente, o ritmo de crescimento da economia, fazendo com que os preços se mantenham constantes e, com isso, que a inflação se estabilize. Se a inflação desacelera, o governo pode baixar as taxas de juros para estimular a economia, focando em maior crescimento sem que este gere impacto na inflação.

Isto posto, precisamos então entender melhor o que o Banco Central, em sua decisão, quis dizer sobre a desaceleração econômica brasileira e a tendência futura da inflação no país.

É fato que a economia brasileira deverá crescer menos este ano. Alguns dados já projetam crescimento de menos de 4% para 2011. Mas com relação à inflação, as projeções não são de queda, mas sim de maior pressão (ou, em outras palavras, maiores chances de aumento) para o final do ano. Segundo diversos especialistas, a economia brasileira ainda enfrenta riscos inflacionários neste 2º semestre de 2011, e a desaceleração do ritmo de atividade observada nos últimos meses não é forte suficiente para justificar um corte da taxa SELIC, como o ocorrido agora. Para ilustrar, os economistas apontam alguns fatores que ajudam a, no mínimo, manter a atual pressão sobre inflação para o final do ano. Dentre eles, estão:
  • O crescimento da concessão de crédito a pessoas físicas, que aumentou 2,2% nos últimos 12 meses;
  • As vendas do varejo, que aumentaram 7,1% até junho deste ano, quando comparadas com o mesmo período do ano passado;
  • A dinâmica do mercado de trabalho interno, que continua empregando mais do que demitindo, com redução gradativa da taxa de desemprego (em julho, a taxa de desemprego chegou a 6%, segundo o IBGE, o menor nível para o mês em nove anos); 
  • O crescimento de 2,2% na renda real dos trabalhadores em julho, quando comparada com junho deste mesmo ano;
  • Os reajustes salariais concedidos e a serem concedidos em 2011, sendo praticamente 90% deles acima da inflação oficial;
  • A alta do preço do etanol, das carnes bovinas e do cigarro (só este último deverá pressionar em 0,2 ponto percentual a inflação a partir de novembro, dado o aumento do IPI já determinado pelo governo);
  • A dinâmica da inflação de serviços, que já cresceu 9% só neste ano, mostrando maior resistência à queda em função do emprego e da renda.

Tudo isso, junto, continuará contribuindo para uma demanda interna forte e um aumento da resistência inflacionária. Em outras palavras, haverá dificuldade para que a inflação caia, pelo menos no curto prazo. No próximo dia 6 de setembro sairão os dados do IPCA de agosto, e já é esperado pelo mercado que o índice apresente elevação em relação a julho, ultrapassando 7% no acumulado dos últimos 12 meses, reforçando as críticas sobre a decisão do COPOM de abaixar a taxa de juros, acreditando que a inflação no Brasil irá desacelerar.

Portanto, quando o Banco Central decide por abaixar 0,5 ponto percentual a taxa SELIC, ele sinaliza, de fato, uma troca no mecanismo de comando da política econômica brasileira, ou seja, não utilizando a taxa de juros (política monetária) para controle da inflação, mas passando a utilizar o controle de gastos do governo e o aumento de superávit primário (política fiscal) como principal instrumento de política econômica.

Traduzindo para o leitor não economista: na prática, o governo acredita que o momento é de controlar os gastos públicos e gerar superávit, reduzindo a taxa de juros e, conseqüentemente, sua dívida pública. O foco principal é não deixar a economia brasileira desacelerar, ou crescer menos que o esperado. Para essa conta fechar, o governo também acredita que a redução dos juros é possível dada a expectativa de queda da inflação para os próximos meses. Entretanto, como já demonstrado, a inflação não apresenta sinais de que vai cair, e aí essa conta do governo na, realidade, não fecha.

Para destoar ainda mais nesta conta que o governo tenta fechar, o projeto encaminhado ao Congresso Nacional relativo ao Orçamento da União para 2012 expande o gasto público muito acima do crescimento do PIB – superestimado em 5%, já que as projeções do próprio Banco Central, em seu último boletim semanal Focus, apontam crescimento do PIB em 2011 de 3,79% e em 2012 de 3,90%. Segundo fontes do próprio governo, entretanto, isso não seria problema, já que historicamente as contas públicas são administradas por decreto, e não pelas previsões orçamentárias. Se isso é verdade, para que serve, então, o Orçamento da União?

Continuando, o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, já vinha preparando o mercado para esta possível queda das taxas de juros, dizendo que a crise internacional se desenhava mais preocupante do que se imaginava antes, e que seus efeitos recessivos para a economia brasileira deveriam ser combatidos, sinalizando, portanto, a possibilidade de antecipação do processo de redução de juros no país para estimular a economia.

Neste ponto, precisamos lembrar que o próprio presidente do Banco Central, em seu primeiro discurso como tal, no início do ano, defendeu sua autonomia e imparcialidade na condução da política monetária brasileira, dizendo que a autoridade monetária continuaria tendo como principal meta o controle da inflação no Brasil e a garantia da estabilidade econômica. Ou seja, está claro que a decisão de abaixar os juros, já neste momento, não pode ser atribuída apenas à análise de dados técnicos, mas também a uma pressão política para que ela acontecesse.

Essa hipótese se confirma pelas declarações do Ministro da Fazenda, Guido Mantega, o qual afirmou que, ao contrário de 2008 (auge da crise econômica mundial), quando houve uma reação fiscal mais forte por parte do governo brasileiro, com expansão dos gastos e do crédito públicos, e pouca redução da taxa de juros, dessa vez a composição da política econômica será exatamente o contrário, com a meta fiscal encabeçando as ações do governo, sendo possível, então, reduzir a taxa de juros.

Constata-se, infelizmente, a forte influência política do Ministro Mantega sobre a autoridade e as decisões do Banco Central e de seu presidente Alexandre Tombini, fazendo o país voltar a definir suas políticas econômicas não tanto por critérios estritamente econômicos, mas muito mais políticos (como já ocorrera historicamente no passado). Esse temor já havia sido alertado em outros posts publicados por este autor, ainda em 2010, quando a então vencedora do pleito eleitoral, a atual presidente Dilma, havia nomeado os integrantes de sua equipe econômica. Naquela época, a pergunta que se colocava era se o governo Dilma seguiria à risca a política monetária de aumentar juros para controlar a inflação, ou se adotaria outra postura, aceitando um nível de inflação maior em prol de uma expansão da economia brasileira. E a expectativa do mercado era de que o governo, de fato, adotaria uma postura mais tolerante com a inflação, em grande parte devido à influência do Ministro Mantega sobre o novo presidente do Banco Central. Mas o que estranha é que o então novo presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, nomeado pela presidente Dilma, deixou claro em seu primeiro discurso que faria todo o esforço possível para a manutenção da estabilidade econômica, não havendo dúvidas em aumentar a taxa de juros para segurar a inflação, caso fosse necessário.

Agora, o próprio Tombini admite não estar tão preocupado com a inflação no curto prazo, mas sim com a crise financeira global e seus impactos para a economia brasileira. Ou seja, mudou-se o discurso. Mas admitir uma inflação maior no curto prazo é como abrir a possibilidade da inflação voltar e resolver não ir embora no futuro, ao bel prazer da equipe econômica. Devemos lembrar que a memória inflacionária e a cultura da indexação de preços é ainda presente na sociedade e economia brasileiras; elas só estão adormecidas, mas não extintas. “Não cutucar a onça com vara curta” deveria ser o ditado a ser lembrado neste momento.

Não basta o presidente do Banco Central dizer, em seu discurso, que acredita na volta da inflação a patamares menos elevados neste final de ano, e de que em 2012 ela estará no centro da meta de 4,5%. Tecnicamente, todos os fatos já apontados neste artigo demonstram o contrário: de que a inflação não tenderá a cair nos próximos meses, e de que em 2012 tenderá a ser maior do que a meta do governo. O mercado projeta índice de, no mínimo, 5% para o próximo ano, e o próprio Banco Central, em seu boletim Focus, projeta inflação de 5,2% em 2012.

Com relação a 2012, especificamente, temos alguns outros fatores que irão fortalecer a inflação e manter o IPCA acima do centro da meta do governo. São eles:
  • O aumento de quase 14% no salário mínimo previsto para o ano que vem – passando dos atuais R$ 545,00 para R$ 619,21 -, o que deve injetar no consumo das famílias cerca de R$ 9 bilhões adicionais, e dar mais combustível para a inflação, via aumento do consumo interno;
  • Este aumento do salário mínimo representará, para os cofres públicos, acréscimo de R$ 13,3 bilhões.

Para um governo que aponta como política econômica prioritária o corte de gastos e ajuste fiscal, estes dados, no mínimo, irão criar uma dificuldade maior para o governo atingir as metas de inflação previstas. Num pior cenário, o governo poderia ter que lançar mão, novamente, de um aumento da taxa de juros para conter a inflação, o que, na prática, seria admitir um erro estratégico grave na condução da política econômica.

Voltando ao Orçamento da União para 2012, o Projeto de Lei encaminhado ao Congresso projeta, além do crescimento do PIB em 5% (valor superestimado), taxa SELIC de 12,50% até o final do ano que vem, inflação de 4,8% e câmbio a R$1,64. Ou seja, o governo parece projetar seu Orçamento com base em dados fictícios, já que trabalha para a queda gradual da SELIC e projeta inflação, via Banco Central, de mais de 5% ao ano.

Finalizando, o cenário básico futuro, para grande parte dos economistas, é de baixo crescimento econômico com inflação. E se a finalidade do governo é estimular o crescimento via redução de gastos e aumento dos investimentos, por outro lado estará abrindo mão do instrumento de controle da inflação, que é a taxa de juros.

A redução da taxa SELIC significou, na prática, uma decisão política se sobrepondo à decisão técnica e isenta do COPOM / Banco Central que vinha ocorrendo até então. Em outras palavras, um Banco Central mais subordinado e menos técnico, e uma crença equivocada de que a inflação estará sob controle daqui para frente.

Vamos torcer para que o governo esteja certo, e este autor que vos escreve esteja, apenas, um pouco mais pessimista que o governo, para o bem da sociedade brasileira e da economia em geral.

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